A diversidade é a maior riqueza cultural do Brasil, patrimônio de saberes, fazeres e expressões da cultura
de seu povo. Fragmentos de história e memória formam um mosaico de tradições europeias, indígenas
e africanas, em celebrações festivas que espelham heranças híbridas.

O catolicismo nos legou o Círio de Nazaré e a festa do Divino de Pirenópolis. Mas a procissão do Círio traz desfile de alegorias, origem daquelas das escolas de samba. E em Goiás se festeja o Divino, o Reinado
do Rosário e o Deus Menino do Pastoril, mas tudo se transforma em grandioso teatro quando se reencenam as lutas de cristãos e mouros nas Cavalhadas. Há mestres da viola nas Folias de Reis, do Divino e nos terços cantados, e também no fandango caiçara do litoral paulista e paranaense. Fandango batido se dança para São Gonçalo e no Maranhão é São Benedito quem baila com as coreiras num tambor de crioula.
O machete, que os fabriqueiros produzem para se tocar o fandango, é a mesma violinha do samba de roda do Recôncavo baiano.

Fandango acompanha reiadas e romarias do Divino e o tambor de crioula toca com as caixeiras do Divino
da casa Fanti-Ashanti, assim como para o vodum Avereketi e os encantados. Seus tambores são os mesmos
do jongo do Vale do Paraíba, embora suas toadas não evoquem os ancestrais nem sejam as adivinhas em linguagem cifrada do jongo, que toca para as almas, os Pretos Velhos ou no 13 de Maio, Dia do Trabalho
e da Consciência Negra.

A umbigada é herança comum do batuque bantu nessas formas de diversão que não têm hora marcada, assim como o samba de roda, ainda que ele seja presença obrigatória nas festas da Boa Morte,
de Cosme e Damião e nos toques de Caboclo dos terreiros. E se a comida farta é retribuição ao Divino em sua festa, com ela e com fandango se pagava mutirão entre os caiçaras e é até hoje obrigação num tambor de promessa no Maranhão.

Celebrações devotas com jeito de feira e espetáculo, divertimentos profanos que não esquecem suas raízes
devotas: eis a unidade na diversidade do mosaico cultural brasileiro.

Maria Lucia Montes